quarta-feira, 16 de abril de 2025

A última coca-cola do deserto



Noites quentes, Beijo, Último dorito do pacote, Um dia amadureço, Recuperei a dignidade


Esses são só alguns dos nomes de esmaltes comercializados no Brasil. Como minha irmã vinha da Itália me visitar e cada um tem sua história, pensei em presenteá-la com esmaltes que tivessem nomes significativos e que conversassem com uma fase da vida dela. 


No início da minha vida no Brasil, eu não tinha grana para fazer as mãos em salão, ainda trabalhava como estagiária (não paga) para o Instituto Italiano de Cultura e tinha que viver do que tinha guardado com o meu trabalho na Itália, mas esmaltes sempre usei. 


Ficava horas parada nas farmácias, só me perdendo entre as cores e os nomes mirabolantes dos esmaltes (aliás, o fato de ter esmalte em farmácia, para mim, também era uma coisa inusitada). Pensava que coisa mais diferente dar um nome para esmalte! O nome podia conversar com a cor ou, na realidade, com uma sensação transmitida pela cor, ou, simplesmente, com a mensagem que aquela linha queria passar. E todos, exatamente todos os nomes de esmaltes, de uma maneira ou de outra, têm a ver com as vidas das mulheres. De forma irônica, sarcástica ou real. Às vezes comprei esmaltes só pela sensação de empoderamento que me transmitiam. 


Ainda me lembro do nome mais simples e mais deslumbrante de todos: Nunca fui santa, vermelho carmim. Me pergunto se isso, mesmo sendo um achado publicitário, não tenha a ver também com uma forma toda brasileira de viver a vida. Pode parecer um clichê, ou uma forma exotizada de ver o Brasil, mas esses nomes de esmaltes, na sua simplicidade, trazem luz e alegria, mesmo que por vezes seja com sarcasmo, ao dia a dia. 


Quem não quer se sentir O último dorito do pacote ou A última coca-cola do deserto depois de algum macho-escroto ter sumido do nada e ter feito ghosting? Quem não precisa de Noites quentes no meio de semanas entediadas e sempre iguais, ou não gostaria de ouvir, ao voltar para casa: Leo mandou flores


Sem pensar que, entre as últimas linhas da Risquê, Vivendo do meu jeito, encontramos esmaltes que dão legitimidade a outras formas de entender o trabalho, dando brilho e cor àquelas que contracorrente não trabalham no mundo corporativo, não trabalham no ritmo da carteirização do trabalho, 8 horas por dia, e decidem, por fim, viver da própria arte, como lembra o esmalte Vivendo da minha arte, um verde claro em tom pastel. 

Penso sobre como essas são conquistas femininas tardias: a possibilidade de criar (ter o tempo e, alguém mais importante que eu dizia, um teto todo seu) ou até mesmo pensar em poder viver do que se cria, assim essa linha de esmalte nos lembra —para que nunca esqueçamos— que A artista sou eu ou Eita como cria


Já cansei de dar de presente Linda, leve e nude ou Rainha da pista toda sem esquecer da linha Livre para brilhar, com os esmaltes Dona da festa, Já acordo divando ou ainda Chega e arrasa, pena que esse último tem demasiado glitters, senão ia botar para todas as provas e concursos que fiz nos últimos anos como forma de training autógeno. 


Esses esmaltes possuem pequenas mensagens que me parecem trazer um risco (só para ficar em temas coloríferos) de alegria num cotidiano muitas vezes cansativo, esgotante e sem cor. Acredito também que essa ideia, mesmo que possa ter algo similar em algum outro lugar, me remete muito a um certo caráter brasileiro batalhador, que sempre olha para novos desafios, nunca se cansa e sempre acha novas motivações para seguir em frente. Porque vale sempre a pena lembrar que Antes sol que mal iluminada