martedì 3 marzo 2020

Brazilian wax - ou de quando outras mulheres querem cavar a sua virilha


Virilha cavada ou comum?


Thema - Anatomical roots

Uma grande amiga minha sempre me disse: "Você não pode ir embora do Brasil sem ter feito a unha e sem ter ido se depilar". Só um tempo depois entendi, na sua ironia, a importância dessa afirmação. Realmente os lugares de produção de beleza padrão são uma experiência humana de captação de informações, dados e conhecimento de pensamento comum muito poderosos. Algo como 15 minutos de espera num salão poderiam dar informações sociológicas suficientes para embasar um projeto de tese de doutorado.

Parto do espanto inicial da gringa (que já não é tão gringa e que também não gosta ser chamada de gringa, mas que se auto-chama assim como forma de exorcizar uma coisa de que não gosta), o fato de no Brasil existir um lugar  só para se depilar, onde há filas de mulheres aguardando a sua vez num salão branco hospitalar com intermitências de roxo vinho. Não é que na Europa o pessoal não se depile (ainda afirmo que se depila menos), mas a questão é que não existe um lugar só para isso, tem lugares multi-função, geralmente o cabelereiro oferece a possibilidade de você fazer pé e mão e se depilar, se quiser. Assim como não existe um estádio só para sambar - um Sambódromo você só acha no Brasil. Na Itália não temos um Tarantellódromo ou na Espanha não existe um Flamencódromo. Aqui você acha um lugar só para sambar e um lugar só para se depilar, por mais que seja impróprio o paralelismo é uma coisa que me deixa impressionada ainda hoje. 

Lembro quando, ainda na Europa, minha esteticista, que encontrava raramente para me depilar as pernas, me disse que tinha uma cliente brasileira que ficava espantada com a quantidade de pelos que as mulheres botavam a mostra na Europa. Ainda acrescentou que ela só costumava fazer a depilação total das partes íntimas. Confesso que só de pensar na dor de uma depilação total do conjunto virilha- vagina fiquei aflita. Quer dizer, todo o mundo pode tratar seu próprio corpo segundo critérios estéticos que lhe resultam mais agradáveis, mas ainda assim sei que nós mulheres vivemos uma pressão muito mais forte e que algumas vezes não todas as escolhas são livres, ainda que o acreditamos. Não que eu seja fã dos pelos em geral, tendencialmente sou uma feminista with shaved legs, mas acho realmente que as escolhas deveriam ser livres de obrigações padrão, tanto num sentido quanto no outro. Há quem faça depilação total forçada pelo padrão machista e há quem pare de se depilar só para não ser considerada menos feminista. A questão é: Do que é que você gosta mesmo? Depois desse relato da minha esteticista tomei conhecimento da famosa, até então por mim desconhecida, brazilian wax. Descobrindo que exatamente o tipo de cera feita aqui no Brasil acaba sendo um modelo mundial para os lugares de padronização do corpo feminino.

Performance de Deborah De Robertis (maio 2014),
na frente do quadro de Gustave Courbet "A origem do mundo" (1866). 
Assim com essa lembrança na cabeça e baixo a sugestão dessa amiga decidi finalmente ir em um desses lugares do Rio de Janeiro especializados na uniformização da superfície corporal, livrando-a de qualquer tipo de obstrução. Depois de uma breve espera no famoso salão branco hospitalar com intermitência de roxo vinho e um cartaz cinza com uma escrita dourada anunciando os benefícios das clientes premium, consegui entrar  e me dei conta da velocidade de produção dessas meninas, a fila podia ser comprida ou curta, em torno de cinco minutos a sala de espera conseguia estar vazia. As filas se desfaziam rapidamente com as mulheres sendo sugadas, como no aspirador, na porta que dava acesso ao lugar onde a mágica acontecia. No tempo de espera o cartaz cinza, anunciando os benefícios das clientes premium, funcionava para mim como sistema de pressão, um pouco como o amontoado de livros numa biblioteca, os quais sempre me lembram o quanto eu não li. Bom, esse cartaz me fazia visualizar em forma de percentual a superfície do meu corpo que eu ainda não tinha coragem de depilar, gerando algum senso de culpa ou displicência. 


Uma vez superada a linha limite que dividia o salão branco hospitalar com intermitência de roxo vinho das salas operativas, uma certa tensão começava a subir, o meu batimento cardíaco aumentava, me sentia como se estivesse prestes a passar por uma cirurgia. De fato, a moça depiladora introduz as clientes em quartinhos cubiculares com cama tipo japonesas embrulhadas em grandes papeis rasgados monouso, te convida a arrumar-te e depois de um tempinho, sempre breve (é tudo na rapidez) volta ela com um panelaço cheio de cera quente. A depilação funciona assim, a cera vai ser esparramada em grande listras uniformes e por inteiro no lugar a ser depilado, em uma camada espessa, a qual será retirada de uma vez só com um movimento que vai do baixo para o alto. Para quem nunca teve a experiência, imagine um grande adesivo que cubra a perna inteira e depois tirar o mesmo partindo do baixo em um único rasgão. Com olhos de gato de Shreck comecei a olhar a moça que ia fazer a operação. As primeiras vezes de uma forma ou outras todas me perguntavam com olhar assustado: Você vai tirar só os da perna mesmo? Ou ainda E essa virilha não vai fazer não? Quando eu explicava que não era necessário, que ia fazer sozinha, as moças não conseguiam disfarçar a expressão indagativa e uma espécie de embaraço que sentiam no meu lugar. Eu tinha os pelos, mas elas se sentiam desconfortáveis com isso. Sentia que o desconforto delas era real, não puxavam para eu fazer os pelos simplesmente para vender, elas realmente não achavam esteticamente agradável e se indignavam com a possibilidade de eu deixar a minha virilha mais selvagem que o resto do meu corpo. 

Técnica de depilação de um desses salões.
Obviamente continuei frequentando esse lugar para depilar as pernas, afinal tirando o susto inicial é rápido e prático, só que todas às vezes ao expressar a vontade de não querer fazer a virilha os comentários eram Voce não é casada, né? Ou Seu marido não pede, certo? Ou ainda, Antes ou depois tem que fazer, uê! A coisa que me deixava perplexa era a ligação marido-virilha, ou seja, elas admitiam que algumas mulheres faziam a depilação total do conjunto virilha-vagina a pedido dos maridos. Comecei a pensar de quantas coisas as mulheres abrem mão a pedido do seu próprio companheiro, coisas que agem diretamente no nosso corpo físico e que se realizam também através a suportação da dor. Fiquei perplexa com a ideia de alguma mulher poder decidir fazer isso porque alguém pediu. Aliás, além de rejeitar a ideia de fazer um certo tipo de depilação porque o meu companheiro gosta, também confesso nunca ter tido nenhum tipo fetiche por uma depilação que me lembre algo da infância, da qual, de fato, não sinto nostalgia; me parece também que se a natureza colocou alguns pelos como barreira é porque os mesmos devem ter alguma função. Assim é que, para além da dor, mesmo esteticamente eu fico incomodada com uma vagina totalmente lisa, não curto e não quero. Esse é a minha sensibilidade estética, do mesmo jeito que não vou passar chapinha e o meu cabelo é e ficará selvagem para sempre. Mas a história não termina aqui, pois chegou um momento em que decidi terciarizar também a depilação da virilha e aí vai o relato sério. 

Meme de Fantaghirò.
Tradução: "Tranquila, vamos cortar só as pontas". 
Chegando no salão branco hospitalar com intermitência de roxo vinho fiquei olhando perdida para o “cardápio” relativo às virilhas: virilha comumvirilha cavadavirilha modeladavirilha comum mais faixa de contornovirilha cavada mais faixa de contorno e virilha total. Entendi que o mais básico devia ser a virilha comum. As primeiras vezes tinha que explicar bem que não era para cavar nada, que eu estava fazendo com elas pelas primeiras vezes e que queria que fosse igual a como eu faço. Sentia que estava falando com a mesma preocupação de quem vai no cabelereiro que geralmente promete só cortar as pontas e depois te ferra com corte Chanel. As primeiras vezes o experimento deu certo, apesar de algumas insistências sobre o perímetro do biquíni, às quais respondia dizendo que com certeza o biquíni que uso não deixaria entrever nada. Mas uma das últimas vez aconteceu o problema, pois, tinha uma pessoa um pouco mais insistente sobre a forma como deveria ser a minha virilha em relação ao verão e eventuais namorados. Logo cortei dizendo que queria uma virilha comum e que para mim o assunto não era nem para ser discutido, embora entendesse quem tivesse preferências estéticas diferentes devidas aos biquínis do verão e aos namorados fãs de superfícies lisas. Assim logo depois de ter colocado a cera, percebia que algo estava diferente, como se tivesse sido coberta uma superfície maior. Coisa que foi corroborada pelo rasgão e a dor profunda que senti. A mulher olhou para mim e com um sorriso, que entrevia estar se abrindo baixo a máscara branca, disse: Viu, não doeu, foi rápido. Ou seja, a mulher cavou a minha virilha sem eu querer, para ela era impossível eu esteticamente não querer o liso, era só uma questão de dor, ela de fato queria fazer algo “legal” para mim, obtendo o efeito contrário: me senti invadida na minha intimidade e sai chateada de lá exatamente como quando vai no cabelereiro e cortou demais, sem contar que dessa vez também tinha o elemento dor.
Man Ray - Erotique voilée, 1933.

Me lembrei assim do começo do livro do filósofo coreano Byung-Chul Han que abre o livro a salvação do belo assim “O polido é sinal de distinção da nossa época. É o que têm em comum as esculturas de Jeff Koons, o I-phone e a depilação brasileira. Porquê hoje achamos legal tudo o que é polido? Além do efeito estético, ele reflete um imperativo social, encarna a atual sociedade da positividade. O polido não fere, nem coloca algum tipo de resistência. Só pede um like. O objeto (Gegenstand) polido elimina a própria opositividade (Gegen), removendo assim qualquer tipo de negatividade" (Tradução minha da edição italiana, Nottetempo, 2018). Assim consegui perdoar a depiladora, porque entendo que o seu sentido comum é socialmente construído, e é exatamente o mesmo que faz todo o mundo gostar do I-phone ou correr atrás de um like, ou encher-se a cara de botox para tirar vincos e gretas do rosto. Fica, todavia, a profunda revolta face o sentido estético geral, que move as pessoas a operar sobre partes e porções do corpo próprio e alheio, tornando-o um produto socialmente aceitável e agradável encaixando-o em padrões estéticos que muitas vezes não batem com o nosso sentir.  

Pensando no autor que pesquisei no doutorado, posso dizer que sempre fui mais carvalho do que fórmica, e isso é fato, a cada um a sua madeira preferida.