sabato 6 luglio 2019

Amorcidade - Amor de gente jovem na cidade




 Imagens de Brian Rea, ilustrações para a coluna Modern Love do New York Times

O amor e a cidade são duas coisas difíceis de se entrosar. Mais a cidade é grande, mais é difícil o amor. Tamanhos diretamente proporcionais. As possibilidades se multiplicam devido às situações que a metrópole propicia, ainda mais numa metrópole tropical com vivência de rua. Ainda mais numa metrópole tropical com uma vivência de Rua profundamente enraizada numa cultura do Carnaval.
As geometrias urbanas unem e dividem. Me lembro nitidamente da fala de uma amiga italiana na Argentina. ‘Aqui é suficiente – dizia ela – uma pessoa morar em Belgrano e a outra em La Boca (dois bairros relativamente longe da cidade de Buenos Aires) para o amor não dar certo.’ Eu sempre fico pensando que antes as pessoas não tinham metrô, não tinham celulares e ainda assim dava mais certo do que hoje. O espaço físico urbano se dilata nas redes, transborda em milhares de linhas de conexões que partem de celulares, tablets e computadores; Facebook, Instagram e aplicativos de paquera explícita, como o Tinder e o Happen, ampliam esse espaço urbano. Na verdade você se afoga em contatos que não sabe gerir, e que acabam sendo todos superficiais. Mais tem, mais troca. Mais troca, mais não se aprofunda. Mais não se aprofunda, mais troca de novo. Tendencialmente eu sou bastante livre para acreditar que a fluidez dos relacionamentos não precisa passar por etiquetas, e entendo apesar de não ter um namoro faz dez anos a ideia de que relacionamentos livres talvez possam ser mais saudáveis do que relacionamentos monogâmicos marcados por infidelidades reiteradas, a maioria unicórnio, porque é quase sempre o macho alfa que trai. Mas ultimamente começo a pensar que o “troca-troca”, como já algumas feministas também começam a insinuar, talvez seja só uma forma acumulativa capitalista de viver o amor. Não sei mais se por trás dessa liberdade não se esconde uma outra forma de capitalismo, o consumo do outro, a descartabilidade das relações e uma competição desigual entre as pessoas que precisariam de mais tempo para se fazer conhecer. Como se a Kombucha produzida artesanalmente quisesse competir com a Coca-Cola. Confesso não ter uma ideia definida, mas é um pensamento que começa a se insinuar na minha mente também.


Não são poucas as dificuldades, aliás, que se vivem também por causa de questões mal resolvidas da masculinidade contemporânea. A maioria dos machos descontruídos se revelam esquerdo-machos, gostam de ser livres, mas quando a mulher também o é, incomoda. Já me aconteceram casos de pessoas colocarem de forma inadequada (no tempo e no modo inapropriado) um “Eu não sou monogâmico”, e frente a uma resposta “Eu também não”, vejo a cara deles mudar de cor. Agora não é que naquele momento eu estivesse necessariamente envolvida com outras pessoas, mas simplesmente quis marcar uma igualdade de plano, uma reciprocidade afetiva. Marcar o fato de que se eu quisesse também poderia, mostrando o desnecessário que era aquela declaração naquele momento. Me desculpem, mas não vou ser a mulher do “Samba da Benção” do Vinicius, que espera o homem triste e chorando com as mãos cheias de perdão. Não mesmo.

Esses mesmos machos esperam às duas da manhã para te chamar e se você estiver em outra ficam loucos. Agora liberdade é para quem e para quê? Só para os machos e como exercício de poder? Não seria mais fácil, às vezes, assumir que está a fim de uma pessoa correndo o risco de “perder” as outras 100 que ficarem no seu caminho? Ou é só uma questão de domínio e controle do outro? No fundo, se você ligar para uma mulher às duas da madrugada e achar que ela está te esperando, não é uma forma de colonização do outro? Exercício de domínio emocional baseado na prática da falta e da chantagem implícita, do tipo ou vai estar disponível agora ou logo depois vai ter outra ocupando o seu lugar e quem sabe quando vai chegar de novo (se chegar) a sua vez. 


Aí depois, além da afirmação dessa liberdade com regras aleatórias para cada um garantir para si as mil oportunidades (inutilizadas) que poderiam passar pelo seu caminho, a complicar as relações hétero, chega a diferença na organização do percurso de vida entre homens e mulheres. Já tem muitos anos que moro sozinha e pago as minhas contas, e isso apesar de poder parecer algo que as amigas dizem para te consolar quando alguém de quem você gostava vai embora, estressa demais os homens da sua faixa etária que ainda não tomaram caminhos profissionais e moram em situações de dependência financeira ou fortes limitações. Sem emitir nenhum julgamento de valor sobre as escolhas e percursos individuais, pois cada um tem o seu percurso de vida, é um dado concreto que as mulheres têm uma preocupação maior com a realização profissional e autonomia financeira. Agora essa seria uma culpa a mais para um relacionamento não dar certo? O homem ou se sente inferior ou acha que você teve sorte (vai conseguir explicar para a criatura que meu pai era operário e minha mãe costureira), ou  em muitos casos encosta na mulher.
Quem sabe mais para frente as mulheres hétero tenham menos problemas nos relacionamentos com os homens, porque talvez esses já tenham superado todas as crises do século XXI com as quais nos deparamos nós que temos 30 e pouco agora.


Aí entre encontros fortuitos na rua, aplicativos e cansaço, chega uma hora em que você não olha mais para a idade. Entre quarentões e novinhos alguma coisa muda, mas não a substância. Os quarentões (incluindo também os da minha idade, dos 33 para cima) medem qualquer movimento, palavra, olhar, mensagem, com conta-gotas, pois eles têm um medo terrível de você se apaixonar por eles, como se você estivesse apenas esperando por eles para entrar num relacionamento (quanta convicção!). Os novinhos, por outro lado, não têm esse medo – você, mulher mais velha e experiente, para eles funciona um pouco como uma musa – portanto se expõem sem nenhum problema, já que eles nem preveem a possibilidade de você se apaixonar por eles, e com razão diria eu, apesar de serem um ótimo remédio para a autoestima. Mas já vi pessoas adultas terminarem comigo para namorarem sério com garotas de vinte anos, isso, nas minhas cogitações, porque com uma pessoa de 30 teriam a obrigação de se comportarem de forma mais estruturada, mais adulta, deveriam sofrer a comparação sobre a questão financeira, enquanto com pessoas mais jovens ainda exercitariam o direito a se comportarem como adolescentes, e apesar da diferença de idade, talvez teriam mais proximidades de estilos de vida. Para dar um exemplo banal, eu não posso acordar tarde todos os dias.

Alguns indivíduos (transversais às idades) surgem de vez em quando, e  logo no primeiro encontro, fazem questão de mostrar que eles não são como todos os outros cariocas. São mais gentis, mais diferentes, mais sensíveis, mas de forma tão excessiva que você começa a desconfiar. De fato, ou vão sumir logo depois ou têm algum segredo que você vai descobrir com o tempo. Esses mesmos te acusarão de ser fria e distante, sem entender que uma pessoa acostumada ao caos da Babilônia e a se defender não costuma ser tão acessível de primeira. Esses que fazem questão de parecer diferentes e exagerar em declarações eu chamo de excessivos, sim eles são excessivos e não temperamentais. Pois, o temperamental excede porque sente, os excessivos excedem porque exageram coisas que não sentem, falam da boca para fora.

Mais o tempo passa mais levamos feridas, histórias, atitudes fossilizadas, onde o inconsciente e as lembranças de decepções e expectativas desatendidas falam mais alto e guiam nossos comportamentos, formas de falar, e nem percebemos mais. Isso tudo pode incomodar, mas é o nosso histórico, as pessoas podem ler como uma falta de leveza, mas as histórias de vida constituem nossa topografia sentimental e guiam nossas ações. Pois, não é verdade que, quando o cachorro sabe que apanha se fizer algo errado não faz mais? Como diz um aluno meu: ‘Se tem quem bate, é porque sempre tem quem apanha’. Sinceramente, se a experiência nos relacionamentos serve para alguma coisa, é para o desenvolvimento da inteligência emocional. Ninguém quer apanhar, mesmo se isso significa colocar algumas barreiras defensivas necessárias. Pois a gente aprende a não se expor.

Concluindo. Outro dia me autofiz uma sessão de tarô (psicanalítica) sobre o amor, tentando desvendar algumas dúvidas para refletir sobre casos e joguei três cartas: passado, presente e futuro. O passado tem a Torre (16), o presente a Sacerdotisa (3) e o futuro a Morte (13).  Essas cartas fazem todo o sentido para mim.
A torre que cai é a ilusão desatendida, o vislumbre da ilusão de que você vai desafiar o céu. Mas a torre cai, e cai também a presunção de pensar que algumas coisas eram de um jeito que não eram. A queda é a punição por ter tido essa vaidade e excesso de gênio. No fundo, a torre cai porque foi desafiado Deus. Quando nova, sempre me equivocava, achava que alfa fosse beta e para que alfa fosse beta forçava a leitura das coisas em algum sentido, fazia tudo do jeito que sentia, seguia só o fluxo potente dos sentimentos e obviamente a torre caía. A torre que cai é a instabilidade, a precariedade emocional, o desmoronar das convicções e das construções.
A Sacerdotisa, que representaria o momento presente, é a mulher que apesar de olhar para a esquerda possui grande equilíbrio -  a cor azul  do intuitivo-emocional e  a vermelha do terreno-carnal são compensadas. Por isso a sacerdotisa consegue balançar melhor escolhas e palavras, e o livro na mão representa a sabedoria, sabedoria que no caso das relações é dada pela experiência. Sua base e da Torre são bem diferentes. Aqui nessa carta é bem grande, o apoio dela é firme, o  olhar firme e o equilíbrio das cores é confirmado por uma base de apoio ampla, nem as pernas são visíveis. Faz todo o sentido para representar essa minha situação atual, em que apesar de continuar errando, consigo olhar para as situações de forma mais equilibrada, sem nem sempre ser temperamental, faço da experiência uma forma de sabedoria, quem sabe às vezes um excesso de proteção. No fundo, a sacerdotisa não é consagrada só a uma divindade e inacessível para todos os outros homens? O futuro é a Morte. Carta maravilhosa, se despojada da leitura cristalizada do negativo da perda. A grande transformação, o amor será possível só se nos despojarmos das crenças e revolucionarmos tudo, a morte é a queda de tudo, a desconstrução de velhos padrões. A grande transformação. Adieu amor romântico da adolescência, adieu amor livre da idade adulta, o que virá depois?



martedì 19 marzo 2019

Porque o simbolismo de Vai malandra ainda está bem longe do feminismo e a Anitta não representa minhas instâncias feministas

Porque o simbolismo de Vai malandra ainda está bem longe do feminismo 
e a Anitta não representa minhas instâncias feministas



Consciente do problema em que estou me metendo, pois falar de símbolos amados pelo país que se escolhe por adoção e por amor sempre te coloca no lugar da gringa  que quer falar de uma coisa que não conhece a fundo. 
Aceito essa possibilidade de ataque, já que isso durante as últimas eleições presidenciais foi a regra e escolher morar fora do seu país significa isso também. 
“Ahora bancatela”diriam meus amigos argentinos. 

Mas como já decidi em 2018, em 2019 vou dar continuidade a todas aquelas ações de desafio que me legitimam como cidadã do mundo sem medo de falar. No fundo o debate, até na briga, é sempre prolíficoe nesses tempos mais que nunca temos que ser fomentadores de discussão. Até quando eles incomodam.

Durante a noite do réveillon e na última semana, por ocasião do dia das mulheres, me encontrei conversando com várias pessoas sobre a pop-star Anitta. O assunto era se o vídeo Vai Malandra poderia representar ou não uma forma de empoderamento de tipo feminista e trazer instâncias para as questões de gêneros tão urgentes para as mulheres, não só do Brasil, mas do mundo inteiro. O mesmo debate que envolve a Anitta, também toca outras ícones pop de fama mundial, tipo a Beyoncé, que por mais que eu adore, traz uma quantidade infinita de aporias internas – entre as quais ser ícone feminista, mas pagar poucos dólares às costureiras da sua marca.

Algumas pessoas afirmaram que a Anitta pode ser sim um exemplo de mulher empoderada por duas razões específicas. 
A primeira tem a ver com o ideal de ascensão social, já que a Anitta provém de uma favela do Rio de Janeiro, e portanto representaria o mito da self-made woman, que conseguiu lutar contra a corrente e as barreiras e construir uma sólida base financeira e um grande sucesso em um mundo que discrimina pelo gênero e pela extração social. 
A segunda razão estaria mais ligada à imagem e à simbologia propriamente dita da mulher que a cantora ofereceria. Nessa perspectivao ponto de força, segundo algumas pessoas, foi ter quebrado os paradigmas machistas que objetificam o corpo da mulher e ter decidido ela mesma fazer o papel de gostosa, que requebra com o bumbum sem que ninguém lhe diga quando e como fazer. Outras alegações para essa posição eram que a cantora carioca, em termos visuais, também rompia com o cânone de beleza que restringe o corpo feminino a uma amostra de turgidez sensual e colágeno, pois ela mostrava durante os primeiros oito segundos do vídeo – contei,são 8 mesmo – seu bumbum com celulite e sem retoques.


Outras pessoas com que discuti também mostraram como a Anitta, especialmente para algumas situações nas comunidades, onde muitas mulheres estão bem na frente na luta pelo sustento da família e o reconhecimento social por tudo o que elas fazem, legitime esse modelo de mulher independente que não precisa de um homem para manter a casa e sustentar a família. E isso chega a ser para algumas pessoas um modelo de emancipação par ser imitado. Todas essas percepções me parecem verdadeiras, mas limitam, do meu ponto de vista, a perspectiva da luta feminista das mulheres. E direi logoporquê. 

Eu como linguista trabalho muito com filosofia da linguagem e filosofia estética, e é fato que não existe um grau zero da linguagem. 
A linguagem se compõe de discursos, e de outra forma poderíamos dizer que discursos diferentes se apropriam da linguagem. Também a forma de mostrar as coisas, de ordenar o sensível diante dos nossos sentidos, a estética em que as produções artísticas e culturais aparecem, sempre querem dizer algo. 
Vamos tentar desbravar brevemente o tipo de discurso que a linguagem da Anitta trazassim como a estética presente no vídeo. 



Resumindo, o vídeo acima postado mostra uma linda mulher, Anitta, subindo de moto com um cara para uma laje onde outras belas mulheres sedutoras, com biquíni de fita isolante, tomam sol mexendo com o bumbum na tentativa de fazer aparecer as famosas marquinhas que no imaginário coletivo brasileiro são percebidas como sexy. À noite tudo acaba em um baile. Durante o dia, enquanto as meninas tomam sol,  Anitta rebola em uma piscina com um cara que usa o seu bumbum como se fosse um tambor. 

É verdade que nenhum homem do vídeo obriga Anitta a receber repique de mão na bunda, e é verdade que A malandra tem toda a situação sob o seu controle, mas ela não faz nada menos nada mais do que assumir o papel que normalmente pertence ao homem só lhe mudando o sexo. Vamos tentar explicar melhor. A linguagem da Anitta é como se fosse uma linguagem dos homens levada a frente pelas mulheres. Ela simplesmente inverte os papéiscomo que dizendo: Os homens objetificam o meu corpo? Ah não, sou eu que decido entrar nesse papel de gostosa e que permito que eles  me apalpem e dedilhem no meu bumbum que nem tambor. Sou eu que decido rebolar até o chão e usar o meu corpo como forma de sedução. 

Ok. Pode ser uma opção. Mas até aqui a Anitta só inverteu os papéis, ela decide sim, ela rebola sim, ela permite aos homens que a toquem, sim, mas ela age e se comporta exatamente dentro de paradigmas de pensamentos masculinos e patriarcais. A Anitta nesse vídeo decide simplesmente que comportamentos masculinos e machistas que às vezes são sofridos pelas mulheres, são autorizados pela própria mulher porque supostamente ela está querendo aquilo. Digo supostamente ela está querendo aquilo porque a réplica que algumas pessoas com quedebati me deram é que a Anitta no vídeo mostra uma mulher que deixa aquilo acontecer porque quer. A minha pergunta é: será que no imaginário de algumas mulheres aquela escolha de “eu decido malandramente ser gostosa” é válida só porque há uma indústria que produz sentido e o capital criando um imaginário coletivo que faz aquilo aparecer como uma escolha nossaA questão feminista para mim não é inverter os papéis, é subverter o paradigma. É desconstruir a linguagem com que somos tratadas e inventar uma nova. Infelizmenteo empoderamento não passa pela autorização de um tratamento só porque em algum momento estou querendo. Se esse tratamento traz consigo a marca de anos de assujeitamento e microfísica do poder que  –  como diria um famoso amado meu de outros tempos –  se exerce sobre os corpos, ele então não me interessa, nem se eu como mulher posso decidir que quero aquilo em algum momento. Dito em poucas palavrasautorizar um comportamento machista, não faz dele um elemento de luta feminista, ou melhor, não serve para a nossa luta de emancipação, não acrescenta nada. Dessa forma só se autoriza um homem, sem reprovação nenhuma, a manter as atitudes de sempre e só deixa as mulheres convencidas de que não existuma indústria que produz sentido fazendo com que “ a gostosa” seja o psico e biotipo almejado por elas.

Eu, como mulher feminista, não quero em nenhum momento atuar segundo paradigmas patriarcais que veem o meu corpo como um objeto sexual e achar isso ok só porque eu estou querendo. Em sumasó porque eu liberei. Podemos querer tantas coisas e ainda assim essas coisas não trazerem as nossas instâncias. Quantas pessoas nas últimas eleições votaram apoiando “sem querer” causas e sujeitos que de fato não os representavam, validando por fimo discurso do opressor sem se dar minimamente conta disso e alegando razões outras que pudessem corroborar suas escolhas? Sem querer exagerar, acho realmente, e nisso o professor Charles Feitosa de filosofia estética deixou uma marca na minha formação, que a questão não esteja só em uma inversão de papéis, mas em uma ruptura, uma desconstrução do paradigma opressor, segundo o vocabulário delenuma transversão. 

Lembro-me muito nitidamente de um episódio brasileiro, em que um juiz não condenou um sujeito que havia ejaculado em cima de uma mulher em um ônibus de São Paulo. Agora o fato foi o horrível, o juiz tomou uma decisão absurda, condenável e criticável com toda a força, mas a reação de uma parte da sociedade que luta por mais direitos foi criticável também. 

Estava sentada no meu computador dando uma vadiada pela internet nas redes sociais quando de repente recebo um convite no Facebook para um evento que era “ejaculação coletiva na cara do juiz fulano de tal”. Em suma achei esse ato e o nome do evento horroroso, se os outros são machistas eu não quero adotar as mesmas ferramentas para construir minha luta. E obviamente não penso em desconstruir e condenar um ato/situação de machismo com uma dialética e uma linguagem que é a mesma daqueles que quero condenar. Não quero agir como eles e usar sua mesma linguagem de violência e opressão. Não acho legal nunca, até quando forem as mulheres, gozar na cara de alguém sem o seu consentimento, até se for por vingança ou por reação a uma justa causa. O título do evento que queria nascer com um intuito bom, ou seja apoiar uma mulher e através dela a luta de todas as que já passaram por um ato ofensivo de opressão, se tornou um contrassenso. A opressão das mulheres e as ofensas muitas vezes se concretizam e passam pelos corpos físicos, de fato alguém ejaculou numa mulher sem o seu consentimento, invadiu seu corpo físico e com isso seu corpo político, e, o ato que queria defendê-la, afirmaria a mesma injustiça reproduzindo o mesmo padrão. A ejaculação coletiva na cara do juiz que promulgou a sentença não pode pertencer a uma linguagem e a uma luta feminista consciente. Só seria a perpetração de outro abuso, imitando uma linguagem e uma estética que não podem representar nossas instâncias. 

O que gostaria de dizer, sem com isso tornar a Anitta um monstro, é que também nós mulheres e feministas temos que prestar atenção não só às palavras de ordem das nossas lutas, mas também às linguagens e às estéticas que acaracterizam. Pois o capital está pronto em qualquer esquina para se apropriados nossos discursos através de linguagens e propostas que respondem a lógicas mercadológicas e patriarcais, e maquiando-as com discursos de esquerda. Não adianta a Anitta mostrar nos primeiros oito segundoo bumbum com celulite se no resto do vídeo o padrão de beleza principal e preponderante, tirando a Juju Todinho – uma mulher de dimensões fora do padrão estético que aparece no vídeo dançando – é um corpo túrgido, perfeito e bem “mulher-gostosa-padrão-machista-brasileiro”, que se prepara para fazer marquinha assim como alguma indústria que produz sentido decidiu que é o sexy. Não adianta gritar sou eu que decido rebolar até o chão e me colocar no centro da atenção se dois caras em dois momentos diferentes repicam o seu bumbum como se fosse um tamborim com um fazer e uma satisfação manifesta de um poderoso chefão que possui um mulherão para a exposição. Tudo isso não adianta porque os símbolos, as imagens e a linguagem são iguais às dos homens. Ela está falando como falaria um homem, a quebra do padrão se realiza pela invenção de uma linguagem e umas estéticas novas. Essa é a parte mais difícil que cabe a nós mulheres. Construir um rio que possa abalar tudo o que anteriormente disseram sobre a gente. Derrubar o discurso que envolve a linguagem numa capa de machismo e capital. Como quando dos shampoos com silicones e parabenos passamos pro low poo. Processo idêntico. 

Como se diz na Itália pane al pane e vino al vino. A Anitta é sim uma mulher corajosa que se fez sozinha e que ascendeu socialmente incorporando um simbolismo de mulher independente, que lhe reconheço, mas dizer que o discurso feminista se resolve aqui não procede. Também dizer que Vai malandra representa uma libertação do corpo da mulher, é uma posição que não se sustenta para mim, só vejo nesses corpos expostos amarras a padrões que nós mulheres não escolhemos. 

Eu não me reconheço na estética e na linguagem do vídeo. Permitir a alguém que batno bumbum como se fosse um tamborim e admitir que não sou um tripúdio de colágeno por oito segundos, mas fazer o papel da gosta nos outros 4 minutos e meio rebolando na cara de alguém usando meu corpo como forma de sedução, para mim não é subversão do paradigma patriarcal. 
A gente só começa a falar como eles.